quarta-feira, 25 de março de 2009

sala são paulo e as quatro consoantes

recebi email do leitor amaury borges sobre o fechamento da cidade da música determinado pelo prefeito do rio eduardo paes.

lá pelas tantas, o leitor vaticina:

Nós, nesta cidade, nos próximos 2 anos, se quisermos ouvir música de boa qualidade, teremos que visitar frequentemente a Sala São Paulo, onde a Música é levada a sério.

verdade seja dita, Música (maiúscula proposital) é mesmo levada a sério nos headquarters da osesp.

quem pisa na sala são paulo tem a certeza que, ali, o mundo sinfônico é respeitado, reverenciado e, principalmente, inserido à rotina da cidade. você nem precisa assistir a um concerto, basta acessar o hall de entrada. está no ar.

mas isso não foi obra e graça de mobilização social paulistana.

foi, sim, investimento político pesado, sintetizável em uma sigla de quatro consoantes: psdb.

desde 1995, com o governo covas, o psdb determina as prioridades de investimento em são paulo, via sucessiva eleição de seus governadores. são quinze anos de continuidade política, inclusive cultural.

antes de covas, o pmdb de fleury e orestes quercia permitiu que a osesp se esfacelasse.

longe de mim defender o tucanato ou o pmdb ou o pt. o sistema partidário político brasileiro é falido, todos sabemos.

a relação tucanato-politica musical séria em são paulo é evidente constatação. não à toa fernando henrique cardoso é presidente da fundação osesp.

o passo seguinte é a constatação da vulnerabilidade.

muito se comenta sobre a continuidade do projeto osesp sem john neschling. pouco se comenta sobre a continuidade do projeto osesp sem o psdb.

se outro partido assumir o governo de são paulo em 2011, como ficam os R$ 40 milhöes anuais destinados à osesp, sem contar todas as demais ações musicais do governo estadual, como festival de campos do jordão, conservatório de tatuí, projeto guri, ulm, banda sinfônica, jazz sinfônica etc?

o que faria o peemedebista eduardo paes (que já foi do psdb, lembra?) com sua mentalidade "cidade-da-música-é-dispensável" se fosse governador de são paulo e herdasse de seu sucessor uma política cultural que privilegia a música de concerto?

essas malditas letras dos partidos políticos regem nossa vida cultural porque o povo brasileiro ainda não despertou plenamente para um papel ativo nas decisões da sociedade. transferimos completamente o bastão para os políticos que elegemos.

mobilização social aqui ainda carece de muito feijão com arroz.

segunda-feira, 23 de março de 2009

cidade da música em silêncio até 2010

foi anunciado hoje que a prefeitura do rio de janeiro manterá a cidade da música fechada até 2010. o site vivamúsica! publicou notícia a respeito.

do jeito que o prefeito eduardo paes vinha tratando o assunto desde sua eleição ano passado, com doses absurdas de silêncio, a atitude não pega ninguém de surpresa.

a minha surpresa fica por conta da falta de mobilização da população interessada e da classe musical em torno de uma atitude. alguma atitude. qualquer atitude.

senti isso em 9 de novembro de 2008, quando visitei as obras do complexo cultural e tirei a foto abaixo, que mostra a vista do que será (seria?) uma das salas da orquestra sinfônica brasileira. a osb tem (tinha?) área equivalente a um pequeno prédio de seis andares.



na época, impactada com a primeira visita à obra realmente monumental - de fato, monumental demais para cidade repleta de chagas como o rio de janeiro - fiquei com a impressão que faltava mobilização, empoderamento, sei lá o que. atitude.

aqueles 90 mil metros quadrados foram erguidos e estão lá, fincados na barra da tijuca. são patrimônio da cidade e de seus contribuintes. em especial, dos contribuintes que reconhecem equipamentos culturais enquanto ferramenta de construção de identidade social.

uma obra com recursos 100% públicos na ordem de R$ 500 milhões pode simplesmente ser creditada como loucura de governante em final de governo... e arquivada, sem qualquer discussão com a sociedade? seu único destino é permanecer abandonada, semi-concluída, ao relento?

e nada de atitude?

domingo, 22 de março de 2009

mendelssohn ferve na lapa

a foto abaixo, enviada pelo jornalista marcus veras, diz muito sobre o lugar da música clássica hoje.

o lugar que ela ocupa e o que gostaria de ocupar.



um lambe-lambe (grande cartaz colado em muros da cidade, para divulgação de shows e eventos) de música clásica já indica muita coisa.

mostra que os organizadores do concerto querem se posicionar como alternativa de entretenimento de final de semana. no caso, a orquestra petrobras sinfônica, que abriu sua temporada 2009 no rio de janeiro homenageando mendelssohn, cujo bicentenário de nascimento comemora-se este ano.

ok, música clássica é arte - e das mais altas -, mas também é entretenimento - e dos mais instigantes.

é ousado e inteligente um promotor de concertos sinfônicos posicionar sua comunicação lado a lado de shows de rock e música pop, se seu objetivo é conquistar novas platéias jovens.

e o que dizer da coincidência do local onde fica a sala cecília meireles?

lambe-lambe pode resultar em multas, daí nunca ser dito o local do evento, mas sempre o bairro ou a localidade. um show no canecão, por exemplo, vira "em botafogo". no citibank hall, passa a ser "na barra". no circo voador e na fundição progresso, é sempre "na lapa".

daí a frase "mendelssohn na lapa" causar certa estranheza. seria um concerto no circo voador? na fundição progresso? claro que náo.

a sala cecília meireles fica no mesmo bairro dos vizinhos citados, o point mais quente da noite carioca.

ou seja, na lapa, o rio ferve, com samba, rock, chorinho e também concertos.

terça-feira, 17 de março de 2009

sem ópera ou "e a tela absorve o palco"

enquanto os palcos líricos do rio de janeiro e de são paulo seguem calados (os dois teatros municipais fechados para obras até o final do ano e, em sp, teatro são pedro ainda sem anunciar programação), pessoal do cinema vai comendo pelas beiradas.

a divulgação de imprensa da moviemobz, empresa que desde fevereiro exibe óperas do metropolitan de nova york em cinemas brasileiros, diz tudo.

separei um trecho do release que recebi esta semana:


"No Brasil, apresentados pela MovieMobz e Ford, os espetáculos em alta definição e som 5.1 vêm obtendo números excelentes, provocando a ampliação do circuito de salas a cada evento realizado. A primeira ópera da programação, “La Rondine”, lotou o Cine Odeon em sessão única no Rio; a segunda, “Orfeu e Eurídice”, foi exibida em 22 sessões em sete cidades e fez 2.179 espectadores; a terceira, “Lúcia de Lammermoor”, com 23 exibições em nove cidades, somou público de 2.979 pessoas. Já “Madame Butterfly”, a quarta da temporada, será exibida em mais de cem sessões, em cerca de 30 cinemas, nas salas digitais conectadas à Rain."


primeiro 1, depois 22, depois 23, depois 30. salas de exibição.

primeiro 584, depois 2.179, depois 2.979. pessoas. quantas serão nas sessões desta semana de "madama butterfly"?

o time da movieboz definitivamente tem um case de marketing em mãos. um sucesso mais do que previsível.

"desatendidos da ópera correm para salas de cinema" seria uma boa manchete para o artigo sobre o case.

quarta-feira, 11 de março de 2009

metáforas sinfônicas

orquestras organizam suas temporadas de concertos em séries, geralmente vendidas por assinatura. isso é praxe na música clássica e não traz novidade.

chama a atenção uma particularidade recente do ambiente sinfônico brasileiro: os nomes escolhidos para batizar as séries das orquestras.

em são paulo, árvores. no rio, pedras preciosas e uma pintora. em belo horizonte, andamentos musicais.

será que a escolha da nomenclatura traz embutida alguma mensagem?


osesp, pulmão do brasil sinfônico

jacarandá, pequiá, ipê, cedro, araucária, mogno, carnaúba, paineira, imbuia, pau-brasil, sapucaia e jequitibá.

faz todo sentido a escolha das árvores brasileiras para as séries da orquestra sinfônica do estado de são paulo, a principal do país. alguém duvida que a osesp oxigena a biodiversidade musical brasileira?


osb, arte da ourivesaria

ametista, turmalina, ônix, topázio e safira.

pedras preciosas brasileiras foram boa escolha para nomear as séries da orquestra sinfônica brasileira. o momento atual da osb é mesmo de lapidação de uma jóia musical.


opes, brasileira como djanira

até ano passado, a orquestra petrobras sinfônica usava "ouro negro" para classificar sua principal série de assinaturas - referência evidente à matéria-prima de seu patrocinador.

em 2009, a opes optou por homenagear a pintora paulista djanira, com as séries djanira 1, djanira 2, djanira 3, djanira 4 e djanira 5. a brasilidade e simplicidade características da artista aplicam-se também à orquestra?


ofmg, molto vivace

allegro e vivace são as duas principais séries de concerto da filarmônica de minas gerais.

escolha bastante pertinente, já estes andamentos musicais alertam para os resultados cada vez mais velozes do grupo criado há pouco mais de um ano.

segunda-feira, 9 de março de 2009

teatros municipais rio-sp em foco

no rio, o objetivo de transformar o theatro municipal em uma organização social (os) da cultura gera grita entre a classe musical.

amanhã, haverá audiência pública na assembléia legislativa - convocada pelo deputado alessandro molon, presidente da comissão de cultura daquela casa - para discutir a proposta do governo de criar a tal os.

uma os é instrumento jurídico importante, mas não é tudo. o repasse de verbas estaduais estará garantido? ou o governo espera transferir a responsabilidade de viabilização do balé, coro e orquestra para a iniciativa privada? no caso da osesp, por exemplo, dos r$ 60 milhões anuais de orçamento, r$ 43 milhões são verbas públicas.

enquanto isso, o municipal carioca permanece fechado para obras. há quem diga que não estarão concluídas até julho.

em são paulo, orquestra sinfônica municipal sem regente titular (josé maria florêncio voltou para a polônia), theatro municipal em obras até dezembro, verbas exíguas dificultam contratação de solistas e regentes convidados e de assessoria de imprensa para divulgar os concertos. a orquestra está tocando na sala olido, um antigo cinema.

domingo, 8 de março de 2009

a areia movediça do elitismo

tenho um amigo que trabalhou diretamente como assessor do presidente de uma das principais empresas públicas do brasil.

certo dia, ele me respondeu, a propósito da proposta de apoio à edição do anuário vivamúsica! que eu havia enviado: "heloisa, meu presidente acha música clássica elitista e não gosta de apoiar iniciativas no setor".

impaciente e irritada, mas tentando manter a postura pedagógica, retruquei: "esse seu presidente burro já ouviu falar do sistema das orquestras da venezuela ou da sinfônica de heliópolis? de uma próxima vez dele em são paulo, agenda uma visita ao instituto bacarelli, na favela de heliópolis."

deus é grande e o tal presidente não esquentou lugar na cadeira.

para os que ainda estão presos à falsa areia movediça do elitismo, recomendo assistir a este incrível e curto vídeo sobre a orquestra sinfônica de kinshasa, na periferia da capital da república democrática do congo.

as falas são em francês e as legendas, em inglês. mesmo que você não entenda estes idiomas, veja, pois imagens e música falam por si.

sábado, 7 de março de 2009

queda de energia e mignone à meia luz



o compositor paulista francisco mignone (no alto, em foto do arquivo da revista life), um dos grandes do século 20, foi executado na noite desta sexta-feira, na sala cecília meireles, no rio de janeiro, à meia luz.

sua belíssima "festa das igrejas" estava na abertura da temporada 2009 da sala, com orquestra sinfônica brasileira regida por roberto duarte.

a noite começou com o "concerto para piano", de john corigliano. sergio monteiro foi solista. depois, "suite l'arlesiene", de bizet, e, finalmente, mignone.

antes de executar a "festa", o maestro dirigiu algumas palavras ao público.

lembrou sua estreita relação com o compositor, de quem foi assistente e sob a influência de quem decidiu optar pela carreira de regente. ao terminar a breve colocação, duarte olhou para cima, mãos em oração, e disse: "obrigado, mignone". foi um momento bonito.

iniciada a peça, ainda no primeiro movimento, a iluminação falha. e falha novamente. e acaba. sala cecília meireles às escuras. não há gerador no local.

o diretor da sala informa problemas com fornecimento de energia no bairro da lapa. a rioluz, órgão de iluminação pública, já estaria em ação.

músicos e regente no palco, público na platéia, certa tensão no ar. em menos de cinco minutos, cessa o escuro. a luz volta, tênue, devido à queda de duas fases. mas parece suficiente para leitura de partituras. roberto duarte recomeça.

e assim, ouviu-se mignone à meia luz na lapa.

a queda de energia literal me fez pensar na queda de energia metafórica no circuito de concertos do rio de janeiro.

com theatro municipal fechado para obras e cidade da música transformada em ponto de interrogação, a baixa energética do rio clássico é evidente. e, por aqui, gerador não é costume.

o único palco sinfônico fica sendo a sala cecília meireles, local ideal para....música de câmara.

mas não há alternativa. o segundo município mais populoso do país, com população superior a 6 milhões de habitantes, tem hoje apenas um espaço apto a receber orquestras.

será que nisso a rioluz também dá jeito?

quinta-feira, 5 de março de 2009

villa-lobos na colombo

para comemorar o primeiro dia nacional da música clássica (decretado semanas atrás pelo presidente lula e inserido no calendário oficial brasileiro), vivamúsica! organizou hoje, na hora do almoço, um hapenning musical na centenária confeitaria colombo, no rio de janeiro.

como o dia da música clássica celebra o nascimento de villa-lobos e o compositor ganhou a vida tocando violoncelo para clientes da colombo, tive a idéia de convidar o duo milêmio - ricardo santoro, violoncelo, e paulo maurício, violão - para reproduzir o villa músico da confeitaria.

eles tocaram por 40 minutos para os clientes da colombo. foi um sucesso, como mostra a foto de alexandre cassiano.



a idéia de um dia para os clássicos foi do meu sócio, luiz alfredo moraes. essa história com final feliz começou em 2005, quando luiz alfredo sugeriu fazermos uma consulta nacional entre profissionais da música clássica para a escolha de uma data comemorativa.

fizemos a enquete pela internet e tivemos o apoio da rádio mec fm do rio, que perguntou aos ouvintes. ganhou villa-lobos, claro.

desde 2006, a data vem sendo "oficializada" em camadas: primeiro no municipio do rio, depois no estado do rio e agora em âmbito federal.

hoje é o meu quarto dia da música clássica. é sempre emocionante, mas acho que este ano, com a canetada do lula tornando a coisa nacional, a emoção é especial.

a você, que ama os clássicos, trabalha com os clássicos ou ambos, parabéns!

terça-feira, 3 de março de 2009

minczuk na arena do bradesco

já viu o comercial do bradesco, de que o maestro roberto minczuk participa?

em uma arena, entram as mais diversas iniciativas culturais patrocinadas pelo bradesco - da festa da uva à orquestra sinfônica brasileira, passando pelos blocos carnavalescos de olinda.



o pessoal da agência neogama e o marketing do bradesco devem ter achado incrível o uso da arena, mas o que dizer da mensagem de confronto e guerra que uma arena passa?

ok, realizar ações culturais e artísticas é uma luta, não só no brasil, mas também em países ricos - vide o que ocorre hoje nos estados unidos, as associações artísticas brigando para conseguir um lugar digno nas novas diretrizes de investimento de barack obama.

mas será que precisava explicitar a guerra pelos patrocínios culturais? quem transita na área da produção cultural sabe que, para cada iniciativa patrocinada por um grande cliente como o bradesco, outras mil são recusadas.

mesmo com esta mensagem nada subliminar e a famigerada câmera lenta (doença infantil da propaganda?), adorei ver a orquestra sinfônica brasileira e roberto minczuk em horário nobre da tv. ainda por cima com a nona de beethoven em ritmo de batucada.