quinta-feira, 31 de março de 2011

MEC FM: “No meu táxi, só pega essa emissora”

Áudio e texto de comentário veiculado na rádio MEC FM do Rio de Janeiro, em março/abril de 2011.



Uma das boas surpresas ao andar de táxi no Rio é quando a gente chama o carro na rua, entra de forma meio apressada e, quando finalmente fecha a porta e informa ao motorista o destino da viagem....percebe que o rádio está sintonizado na MEC FM. Volta e meia isso me acontece. Se você pega táxi sempre ou só de vez em quando, possivelmente já teve essa boa surpresa. Sempre que ocorre de eu entrar em um taxi sonorizado com música clássica, seja na MEC FM ou em CDs, eu pergunto para o motorista se ele ouve sempre a rádio, se gosta de clássicos, etc. Já aconteceu de eu dizer que participo da rádio e o motorista dizer que me acompanha. É sempre uma surpresa muito bacana entrar em táxi que toca música clássica.

Dia desses eu peguei um carro que estava sintonixado na MEC e, quando eu comecei a entabular minha costumeira conversa com o motorista, ele contou que descobriu a música clássica por acaso e agora é um aficcionado e só ouve a MEC FM. Interessantíssima a maneira como os clássicos entraram na vida daquele jovem senhor. Anos atrás, ele trabalhava como “motorista de madame”, pra usar suas próprias palavras. Ele estava com o carro parado esperando a patroa, perto de uma caçamba dessas para entulho de obra. Viu uma caixa cheia de fitas cassete e resolveu pegar, pois o carro que ele dirigia tinha ainda lugar para fita, não tinha CD. Era uma possibilidade de ouvir música naqueles momentos de espera enfadonha. Pois, junto ao entulho, havia fitas com música de Vivaldi, compositores barrocos e até ópera russa. Ele ficou encantado com aquilo tudo e mergulhou fundo nos clássicos. Acabou se transformando no tipo de música que ele mais gosta de ouvir.

A primeira vez que nosso motorista mostrou ao filho de 8 anos uma gravação de Maria Callas, o menino respondeu de maneira muito engraçada. Ele perguntou assim: “Pai, quem é essa cabrita que berra tanto?”. Hoje ele conta que o filho aprendeu a ouvir e a gostar. A primeira vez que mostrou a “Nona” de Beethoven pro garoto, fez questão de dizer pra ele “Olha a explosão, filho, que linda!”. Linda mesmo é essa história da música clássica que entrou na vida por umas fitas velhas jogadas no lixo e que se tornou tão estruturante da rotina de alguém.

Quando perguntei se os passageiros gostavam de ouvir a MEC FM, ele disse que 99% gostam. Para os que não gostam e pedem pra trocar de emissora, a resposta está na ponta da lingua: “meu rádio tem defeito, no carro só pega essa emissora, quer que desligue?” . E ele ainda defende a música clássica pra esses passageiros que não gostam. Antes do término da viagem, ele disse: “Música que é ouvida há tanto tempo, passados 300, 400 anos, não pode ser uma coisa qualquer. Daquele funk “ Boquinha da garrafa” ninguém se lembra mais”. Que grande figura humana esse taxista amante dos clássicos e ouvinte fiel da nossa MEC FM.

Um comentário:

  1. Entulho abençoado, o que deu a esse humaníssimo motorista tão especial oportunidade.

    É muito sábio o que ele disse sobre a persistência da música clássica no tempo.

    É justamente nessa dimensão da duração, que eu encontro uma grande afinidade entre a música clássica e os monumentos, os bens materiais do patrimônio cultural.

    Boa semana, Heloisa.
    Eliane

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