quinta-feira, 31 de março de 2011

MEC FM: Cada vez mais distraídos pela internet

Áudio e texto de comentário veiculado na rádio MEC FM do Rio de Janeiro, em março/abril de 2011.



Em dezembro de 2010, o jornal O Globo publicou uma entrevista bem interessante com o escritor americano Nicholas Carr, também professor do conceituado MIT (Massachusetts Institute of Technology), sobre como a internet tem nos tornado pessoas distraídas e o que pode e não pode ser feito a este respeito. Quem conversou com o americano foi o jornalista Gilberto Scofield Jr. A tese central de Nicholas Carr é a seguinte: a plataforma multimídia que é a internet favorece mais à distração do que ao conhecimento, limitando seriamente nossa capacidade de atenção e foco. Óbvio que um cenário assim não favorece o aprendizado de jeito maneira. O último livro dele não havia sido lançado no Brasil quando eu gravei este comentário. Em português, o título seria algo como “Os superficiais, o que a internet tem feito com nossos cérebros”.

Na entrevista ao Globo, Nicholas Carr foi bem direto ao ponto. Disse: “Multimidia requer que a pessoa mude o tempo todo seu foco e, com isso,a habilidade de aprender se reduz. Ainternet não é desenhada por experts em educação, daí as constantes mudanças de foco. O modelo básico de das redes sociais, como o Facebook, não é feito com a ideia de otimizar a compreensao e o entendimento. É feito com a ideia de manter a visão grudada na tela em focos de conteúdos constantemente variados e atualizados.” E mais um naco do pensamento do americano Nicholas Carr: “Os aspectos básicos da tecnologia são esses: links, mecanismos de buscas, alertas, interrupções, multitarefas, multifuncionamento. Este sistema não nos encoraja nem nos da oportunidade para fazer coisas que necessitem de atenção mais profunda. Se você é constantemente interrompido, nunca consegue exercitar formas de pensamento mais focadas e atentas. Quando a mente presta atenção, pensa profundamente sobre algo, foca e se concentra....são ativados processos cognitivos como pensamento critico, memoria e algumas formas de criatividade.”

Li essa entrevista na época em que foi publicada e, desde então, fico cada vez mais convencida de que a música clássica tem um papel bem importante a cumprir nesses tempos de distração provocada pela internet. Nem precisar ser na forma do aprendizado formal de um instrumento, pois a gente já sabe há décadas que o aprendizado de música treina o cérebro para formas muito relevantes de raciocínio. Eu me refiro aqui à escuta pura e simples. Os clássicos requerem um tipo de concentração especial de escuta. Mesmo que você ouça fazendo outras coisas, como dirigindo, lendo, trabalhando ou mesmo arrumando a casa, você está conectado com a música de uma forma consciente e constante, com menos interrupções do que o frenético ir e vir dos hipertextos que tanto preocupam Nicholas Carr. E se ele estiver mesmo certo e o ato de prestar atenção e focar em algo efetivamente ativar processos como criatividade, então, viva a música clássica!

MEC FM: A experiência do bloco Feitiço do Villa

Áudio e texto de comentário veiculado na rádio MEC FM do Rio de Janeiro, em março/abril de 2011.



A estreia do bloco Feitiço do Villa no Carnaval 2011 no Rio foi um sucesso. Calhou do 5 de março, dia nacional da musica classica, cair em um sábado de Carnaval e daí surgiu a ideia de comemorar Villa-Lobos e todos compositores no Cranaval de rua tod Rio. Essa foi uma ideia minha, de Luiz Alfredo Moares e do maestro Carlos Prazeres. A adesão da classe musical foi grande, cerca de 20 músicos subiram ao palco montado em frente da Escola de Música da UFRJ, localtão simbólico para o circuito de concertos da cidade. Juntaram-se a essa brincadeira séria a soprano Mirna Rubim, o arranjador Marcelo Caldi e o cantor e compositor de música popular Edu Krieger, que fez o samba do bloco em parceria com seu pai, o grande Edino Krieger.

Começamos a trabalhar na proposta de um bloco de música clássica em agosto de 2010, foram quase sete meses de trabalho. Entre músicos que tocaram, fornecedores e prestadores de serviços, parceiros de realização, foram mais de 50 pessoas mobilizadas para fazer o Feitiço acontecer bonito em seu primeiro carnaval. Não tivemos patrocinadores e todas as despesas foram pagas com a venda de camisetas. Contamos com o apoio da Secretaria Municipal de Cultural, que forneceu o palco; da Escola de Música da UFRJ, que forneceu a infra-estrutura de seu prédio no dia do desfile para nossa produção; Orquestra Petrobras Sinfônica que cedeu sua sala na Fundição Progresso para os ensaios do bloco, além de materiais; VivaMúsica!, cuja equipe administrativa organizaou a venda de camisetas; e a EBC, cujas emissoras MEC FM e Radio Nacional deram ampla divulgação ao bloco.

A imprensa recebeu muito bem essa novidade e o bloco teve ampla cobertura na mídia. Revsita Veja Rio publicou uma foto do Feitiço de página inteira. No jornal O Globo, tivemos destaque em reportagens do Segundo Caderno, Rio Show, editoria Rio e notas na coluna Gente Boa. Jornais Extra, O Dia, o jornal gratuito Metro também falaram do Feitiço do Villa. Uma equipe do telejornal Bom Dia Brasil, da Rede Globo, acompanhou nosso último ensaio e fez uma ótima matéria. No dia 5 de março, recebemos no palco da Lapa equipes dos canais Rdee TV, Band, TV Brasil e uma equipe do “Fantástico”, que fez reportagem para a edição on-line do programa. Chovia bastante e, ainda assim, recebemos um público estimado em duas mil pessoas. Muita gente fantasiada de personagens de ópera, houve até uma foliã fantasia de Constance Mozart, a esposa do compositor. O bloco ofereceu um espetáculo com cerca de duas horas de duração, só tocando música clássica e também o nosso samba, que faz uma homenagem aos clássicos. Foi uma diversão sadia e musicalmente relevante. Encerramos cantando o “Parabéns pra você” composto por Villa-Lobos,que, afinal de contas, era o aniversariante do dia. Foi lindo ver aquele pessoal todo que se aglomerava para ver o Feitiço fazendo uma homenagem ao nosso patrono. Tomara que ele tenha gostado.

MEC FM: Silvana, maquiadora, e a magia do ouvinte que se torna visível

Áudio e texto de comentário veiculado na rádio MEC FM do Rio de Janeiro, em março/abril de 2011.



É comum a mídia desenhar um certo perfil de audiência do público-alvo para quem todas as transmissões são dirigidas. E acontece do perfil desse público-alvo chegar a um nivel grande detalhes. Isso facilita as escolhas do que vai ser transmitido e como vai ser transmitido. Uns anos atrás, chegou a circular de maneira ampla, acho que na internet, que o perfil do espactador padrão do Jornal Nacional da TV Globo era uma espécie de Hommer Simpson, o personagem do desenho animado Os Simpsons, um sujeito meio tosco, que não tem muita cultura e nem reflete sobre as coisas – seria para alguém com este perfil que o joranl era feito.
Eu já trabalhei em outras rádios de música clássica além da MEC FM e sei que é comum o ouvinte padrão ser identificado com alguém de razoável conhecimento de repertório, pensamento crítico, alguma frequência a concertos, talvez uma certa sisudez e seriedade de comportamento. É esse perfil que norteia toda a maneira da rádio transmitir, desde as músicas selecionadas até o jeito que o locutor dá a hora certa ou lê o noticiário. Outra coisa com relação a ouvintes de rádio, qualquer rádio: há uma minoria que se manifesta, liga, manda email, aparece em pessoa. A maioria dos ouvintes é silenciosa, propõe-se apenas a ouvir e prefere não se manifestar. Sempre tive pra mim que ouvinte de rádio clássica tem sim, claro, uma boa vontade com música clássica, caso contrário não estaria ouvindo. Mas quem disse que vai a concertos, conhece história da música...sabe tocar instrumento, ler partitura?

Fui participar de um telejornal noturno no canal Globonews. Cheguei mais cedo e fui para a sala de maquiagem. Era o dia do terremoto do Japão e participava do programa também um especialista da área. Estávamos aguardando a hora de entrar quando ele me perguntou sobre que eu iria falar e eu disse: música clássica, trabalho com isso. Nesse momento, a maquiadora, com quem eu já havia conversado um pouco, vira-se e diz.: “Nossa, sabe que eu ouvi hoje no rádio que tem um programa na Itália para jovens com menos de 30 anos frequentarem mais os concertos? Até fui procurar na internet mais detalhes sobre isso, fiquei interessada”. Eu disse: ‘Perai, fui eu quem falou hoje de tarde sobre isso na MEC FM! Você me ouviu!”. E fez-se aquele momento meio mágico, em que o ouvinte se torna visível na sua frente. Silvana, a maquiadora, se tornou imediatamente Silvana Rufino, moradora de Vicente de Carvalho, ouvinte frequente da MEC e do programa VivaMúsica!. Ela ouve no ônibus, quando está indo da aula para o trabalho. E faz assim, alterna a escuta da MEC com a JB FM. A Silvana gosta da música clássica, mas não vai a concertos nem é daquelas aficionadas..nada disso. Tem um sobrinho, o Jeferson,de 10 anos, que mora na comunidade da Babilônia e está tendo aulas de violoncelo. Parece que está indo muito bem o garoto. Na pessoa dela, um agradecimento a todos que ouvem sempre a MEC FM neste horário da 1 da tarde.

MEC FM: “No meu táxi, só pega essa emissora”

Áudio e texto de comentário veiculado na rádio MEC FM do Rio de Janeiro, em março/abril de 2011.



Uma das boas surpresas ao andar de táxi no Rio é quando a gente chama o carro na rua, entra de forma meio apressada e, quando finalmente fecha a porta e informa ao motorista o destino da viagem....percebe que o rádio está sintonizado na MEC FM. Volta e meia isso me acontece. Se você pega táxi sempre ou só de vez em quando, possivelmente já teve essa boa surpresa. Sempre que ocorre de eu entrar em um taxi sonorizado com música clássica, seja na MEC FM ou em CDs, eu pergunto para o motorista se ele ouve sempre a rádio, se gosta de clássicos, etc. Já aconteceu de eu dizer que participo da rádio e o motorista dizer que me acompanha. É sempre uma surpresa muito bacana entrar em táxi que toca música clássica.

Dia desses eu peguei um carro que estava sintonixado na MEC e, quando eu comecei a entabular minha costumeira conversa com o motorista, ele contou que descobriu a música clássica por acaso e agora é um aficcionado e só ouve a MEC FM. Interessantíssima a maneira como os clássicos entraram na vida daquele jovem senhor. Anos atrás, ele trabalhava como “motorista de madame”, pra usar suas próprias palavras. Ele estava com o carro parado esperando a patroa, perto de uma caçamba dessas para entulho de obra. Viu uma caixa cheia de fitas cassete e resolveu pegar, pois o carro que ele dirigia tinha ainda lugar para fita, não tinha CD. Era uma possibilidade de ouvir música naqueles momentos de espera enfadonha. Pois, junto ao entulho, havia fitas com música de Vivaldi, compositores barrocos e até ópera russa. Ele ficou encantado com aquilo tudo e mergulhou fundo nos clássicos. Acabou se transformando no tipo de música que ele mais gosta de ouvir.

A primeira vez que nosso motorista mostrou ao filho de 8 anos uma gravação de Maria Callas, o menino respondeu de maneira muito engraçada. Ele perguntou assim: “Pai, quem é essa cabrita que berra tanto?”. Hoje ele conta que o filho aprendeu a ouvir e a gostar. A primeira vez que mostrou a “Nona” de Beethoven pro garoto, fez questão de dizer pra ele “Olha a explosão, filho, que linda!”. Linda mesmo é essa história da música clássica que entrou na vida por umas fitas velhas jogadas no lixo e que se tornou tão estruturante da rotina de alguém.

Quando perguntei se os passageiros gostavam de ouvir a MEC FM, ele disse que 99% gostam. Para os que não gostam e pedem pra trocar de emissora, a resposta está na ponta da lingua: “meu rádio tem defeito, no carro só pega essa emissora, quer que desligue?” . E ele ainda defende a música clássica pra esses passageiros que não gostam. Antes do término da viagem, ele disse: “Música que é ouvida há tanto tempo, passados 300, 400 anos, não pode ser uma coisa qualquer. Daquele funk “ Boquinha da garrafa” ninguém se lembra mais”. Que grande figura humana esse taxista amante dos clássicos e ouvinte fiel da nossa MEC FM.

MEC FM: O crescimento da classe C e a demanda por clássicos

Áudio e texto de comentário veiculado na rádio MEC FM do Rio de Janeiro, em março/abril de 2011.



Uma das boas notícias econômicas e sociais dos últimos tempos aqui no Brasil foi o crescimento da classe C. Nosso país vive um momento especialmente bom e está prestes a atingir o menor nível de desigualdade de renda desde que os registros foram iniciados. Entre 2003 e 2009, cerca de 30 milhões de pessoas ingressaram na classe C, a chamada “nova classe média”. O total de brasileiros nesta faixa é hoje de 95 milhões, o que significa 50,5% da população. Ou seja, a maioria absoluta de nossos compatriotas compõem a classe C. Muito do olhar sobre a classe C vem do interesse em seu poder de compra, em sua possibilidade de decisão eleitoral.

No que diz respeito a poder de compra, claro que empresas de diversos setores querem e precisam se comunicar com a classe C. A agência de propaganda WMacCann, do publicitário Washington Olivetto, fez um estudo profundo para poder identificar os melhores caminhos para seus clientes apresentarem produtos para a classe C. Os números deste estudo em profundidade são quase tão impressionantes quanto ao tamanho dessa nova classe média. A pesquisa da agência de Washington Olivetto somou 5 mil horas convivência em familia, fez 4 mil horas de videos registrando o cotidiano delas, realizou 3 mil e setecentas entrevistas em profundidade, conversou com 163 especialistas e observadores de mudanças. Um estudo realmente de grande vulto. Li uma frase citada em artigo do economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, ótima, que diz o seguinte: “É preciso não só dar os pobres aos mercados, mas dar o mercado aos pobres”.

Se os principais atores do cenário econômico estão prestando MUITA atenção a esta dita nova classe média, o que nós do setor cultural e mais especificamente da música clássica estamos fazendo neste sentido? Se o acesso da classe C ao crédito, aos produtos, à casa própria, à educação está na ordem do dia, como ficaria o correspondente acesso desse novo público recém-chegado ao mercado consumidor no circuito de concertos, por exemplo?

Será que algum gestor de orquestra pensa em desenvolver espetáculo para quem até ontem mal tinha condições de garantir o básico de sua existência mas agora tem condições de promover para si próprio e para a sua familia acesso a bens de consumo, inclusive culturais? E o que dizer de produtos como fascículos em bancas de jornal, por exemplo.Já pensou que interessante seria uma coleção de música clássica pensada exclusivamente para a classe C? Ou um canal de transmissão de músicas clássicas no rádio voltado para este novo público que chega sem qualquer conhecimento prévio e também sem qualquer preconceito? As possibilidades estão no ar, tomara que alguém se disponha logo a fazer.